Publicação: 02 de Agosto de 2012 às 00:00
Isaac Lira e Margareth Grilo - repórteres
A intervenção judicial nos contratos da Associação Marca com a Prefeitura de Natal enviou ontem à Justiça o primeiro relatório sobre as atividades da Organização Social (OS). O interventor Marcondes Diógenes detalhou os procedimentos utilizados para tentar manter a regularidade do serviço de saúde prestado ao cidadão natalense e, sobretudo, as dificuldades encontradas. Salta aos olhos os contratos "atípicos", para usar uma palavra presente no próprio relatório, que a Marca tem mantido com prestadores de serviço das unidades de ambulatórios especializados (AMEs) e unidades de pronto-atendimento (UPA).
Contratos de administração da UPA de Pajuçara e três AMEs estão sob intervenção desde o final de junho, quando foi foi realizada a Operação Assepsia (Foto: Adriano Abreu) |
Dentre todos os contratos da Marca a chamar a atenção do interventor, o referente aos exames laboratoriais é alvo de destaque no relatório. Primeiro pela falta de comprovação documental acerca do vínculo entre a Marca e o laboratório responsável pelos exames. O "contrato", segundo o interventor, é verbal. Há um outro detalhe: na UPA, a intervenção judicial sabe que o responsável pelo exame é o Laboratório Zona Sul. Mas nas AMEs nem mesmo o interventor Marcondes Diógenes conseguiu identificar o laboratório realmente contratado. "Há uma confusão de nomes. Tal fato se dá pela não apresentação de documentação constitutiva", diz o relatório.
Entre maio e julho os exames dos ambulatórios foram enviados para um laboratório em Natal, mas pelo menos parte deles era remetida para o Rio de Janeiro, onde outros dois laboratórios se encarregavam de fazer a análise. Como o procedimento é confuso, e não há contrato formal, não é possível saber, com as informações disponíveis hoje, quem de fato é o contratado da Marca. Mesmo após inquirir os representantes das três empresas, não foi possível para o interventor determinar quem foi contratado.
Neste trâmite, estão pendentes de resultados de 14.679 exames referentes a 2.097 pacientes, quantidade considerada "elevadíssima" pelo interventor Marcondes Diógenes, "o que fatalmente irá comprometer o cumprimento das metas da unidade, além de expor a riscos a saúde dos usuários que buscaram assistência médica em tais unidades de saúde". Os exames têm sido enviados por avião para o Rio de Janeiro. Para o interventor, isso põe em risco "a viabilidade econômica do contrato e a qualidade do resultados".
Por conta dessas informações, Marcondes Diógenes pediu ao Conselho Regional de Farmácia e à Vigilância Sanitária que se investigue a regularidade do laboratório em Natal. Por sua vez, o Conselho de Farmácia afirmou que a situação do laboratório que funciona em Natal é irregular. "Temos de fazer uma inspeção para ter mais informações sobre os procedimentos, mas pelas informações que temos a situação é irregular", afirma a coordenadora de fiscalização do Conselho, Heloísa Helena Lima.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE procurou a sede da empresa, cujo endereço consta do cadastro no Conselho Regional de Farmácia. Teoricamente localizada na Avenida Ayrton Senna, a sede do laboratório não funciona mais no local indicado. Segundo vizinhos, há pelo menos um ano a empresa não mantém atividades naquele local. O registro do laboratório na Receita Federal, por sua vez, mostra outro endereço, na Avenida Hermes da Fonseca. No prédio, não há nenhuma empresa em funcionamento. À frente, uma placa de aluga-se com o telefone de uma empresa imobiliária.
O laboratório citado pelo interventor Marcondes Diógenes presta serviços às AMEs e à UPA de Pajuçara, ambas sem contrato formal. Na última, o laboratório atua dentro do próprio prédio da unidade. Além disso, o Hospital da Mulher tem serviços da referida empresa, também através da Associação Marca. A situação de irregularidade se repete na "capital do oeste", contudo por lá houve a assinatura, no dia 17 de julho, de um termo de compromisso onde os responsáveis garantem a regularização dos problemas em 30 dias. No documento, o endereço da empresa é o mesmo da Avenida Ayrton Senna.
Procedimentos
Enviar exames laboratoriais para outras cidades do Brasil, normalmente de maior porte, é uma constante em Natal, segundo o Conselho Regional de Farmácia. "Alguns exames mais complexos precisam mesmo ser feitos em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Isso é comum. Por isso, só podemos avaliar se o procedimento utilizado é correto após um exame in loco", diz Heloísa Helena Lima, coordenadora de fiscalização.
O que não pode acontecer, ainda segundo o Conselho, é enviar todos os exames. "Não é permitido se terceirizar tudo. Além disso, o Conselho exige uma justificativa para esse envio. Outro ponto é a mudança de endereço. Ela precisa ser informada ao Conselho Regional de Farmácia", aponta.
Documentos não foram encontrados
Em pouco mais de um mês da intervenção judicial na Associação Marca, Marcondes de Souza Diógenes Paiva não conseguiu localizar documentos e obter informações exatas acerca dos sub-contratos firmados pela Marca. Um deles diz respeito aos serviços prestados por laboratórios de análises clínicas. "Em entrevistas com bioquímicos e com a equipe", disse Marcondes Diógenes, "descobri que três laboratórios operavam nas AMEs, mediante um acordo verbal".
Não há, segundo o interventor, qualquer contrato, nem informação precisa de qual deles detinha 'contrato', nem sobre a forma de pagamento. "O que descobri é que os exames eram feitos por esses laboratórios, um de Natal e outros dois de fora, mas não se sabe exatamente de quem era a responsabilidade na prestação do serviço, quem teria vínculo com a Marca", observou o interventor.
Segundo ele, os contratos verbais começaram a 'vigorar' em junho deste ano e tiveram duração de pouco mais de um mês. No relatório da intervenção, anexado aos autos da ação, o interventor menciona que extinguiu a prestação de serviço desses laboratórios, nas AMEs, em 27 de julho. De acordo com Marcondes Diógenes, até o momento, nenhum dos três laboratórios enviou fatura referente aos serviços prestados, apesar de solicitação nesse sentido feita pelo interventor.
Marcondes Diógenes foi escalado pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte para a intervenção judicial desde a deflagração da Operação Assepsia, em 27 de junho. Segundo ele, a situação dos sub-contratos na UPA Pajuçara é a mesma. "Apesar do laboratório trabalhar, em uma sala, na própria UPA, desde 2010, não há contrato formal, nem registro de pagamentos", afirmou Marcondes Diógenes.
Na UPA Pajuçara quem presta o serviço é o Laboratório Zona Sul. Por se tratar de um serviço de urgência, o 'contrato' está sendo avaliado com cautela. "Lá tem funcionado direito, até porque os exames saem na hora. Estamos analisando, com cuidado, uma opção de adequação, seja com este laboratório ou com outro".
Interventor extingue contratos de comunicação
Entre as medidas efetivadas pela intervenção judicial no contrato da Marca, está a extinção de três contratos de publicidade e assessoria de comunicação. A justificativa de Marcondes Diógenes é a dificuldade financeira da Secretaria Municipal de Saúde em honrar com todos os custos da parceria com a OS. "O motivo determinante para a rescisão dos contratos se lastreou em dificuldade financeira por parte da municipalidade, como também, não foi sopesado como essencial para a manutenção dos serviços à população", diz o relatório.
Os três contratos resultavam em R$ 20.850 de gastos dentro da parceria Marca/Secretaria de Saúde. Deste montante, R$ 7,6 mil era destinado para a empresa de assessoria de comunicação; R$ 9,5 mil para a publicidade das AMEs; e R$ 3.750 para a publicidade da UPA de Pajuçara. As referidas empresas afirmam que há débitos da Prefeitura relativos "há vários meses".
Acordo verbal reduziu carga horária de médicos
Outro fato encontrado durante a intervenção judicial é a carga horária dos médicos das AMEs. Há duas entidades contratadas para fornecer mão de obra: a Cooperativa dos Médicos do RN e a Salute Sociale, sendo a última acusada pelo Ministério Público de participar de supostas irregularidades no contrato com a Marca. Os médicos, segundo o interventor Marcondes Diógenes, estão com uma carga horária de quatro horas, quando o horário normal seria de seis horas. A questão foi enviada ao MPE.
O presidente da Cooperativa dos Médicos, Fernando Pinto, explicou que houve uma confusão na interpretação. Ele afirma que o ambulatório não é feito no regime de plantão. "Não há demanda espontânea. No ambulatório, as pessoas são atendidas mediante consultas marcadas. O médico deve atender pelo menos 20 pacientes por turno. Isso está sendo cumprido", explica. E complementa: "Ao invés de chegar às 07h, os médicos chegam às 08h. Esse tempo de uma hora é utilizado para distribuir fichas, pesar os pacientes, medir a pressão, etc. Quando o médico chega está tudo pronto".
A alteração foi feita, segundo o presidente da Coopmed, com a concordância da Secretaria de Saúde.
*Retirado do Tribuna do Norte
**Via Mario Lobato
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