A privatização da saúde
OS, Oscip, PPP e terceirização foram tema de debate no segundo dia do Abrascão.
Por Viviane Tavares - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
No artigo 197 da Constituição Brasileira, é definido quem regula, fiscaliza e controla as ações e os serviços de saúde, além daqueles que executam estas atividades. A execução, além de ser exercida diretamente pelo poder público, também contempla terceiros, incluindo pessoa física ou jurídica de direito privado. Resta entender qual é esse papel e o que vem ocorrendo atualmente na saúde brasileira. A mesa redonda ‘OS, Oscip, PPP e terceirização' - coordenada por Fausto Pereira dos Santos, do Ministério da Saúde, e composta por Gonzalo Vecina, diretor do Hospital Sírio Libanês de São Paulo, Alcides Miranda, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) e integrante do Conselho Nacional da Saúde e Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da diretoria da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) - apresentou esta realidade, as principais críticas e os caminhos a serem seguidos.
Na abertura, Fausto Pereira saudou a plateia, composta por mais de 150 pessoas entre pesquisadores, professores e trabalhadores da saúde, e apontou o assunto como um debate necessário. "Esse fenômeno que está acontecendo já é uma realidade. E esta é uma grande oportunidade para entender diferentes pontos de vista", analisou. Atualmente, 22 estados já contam com as organizações sociais (OSs), segundo estudo concluído recentemente pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e lembrado por Lígia Bahia na ocasião.
O diretor do Hospital Sírio Libanês, Alcides Miranda, apontou que as experiências atuais devem ser transformadas em conhecimento científico para que, a partir daí, possa-se repensar o Estado e a democracia brasileira. "Precisamos de uma reforma fiscal, uma reforma tributária e também da lei de responsabilidade fiscal. Há um espaço muito grande a ser percorrido, mas não podemos nos perder no meio do caminho com dogmas. E a Abrasco tem uma responsabilidade porque precisamos sair da caixa e pensar alternativas diferentes", defendeu. Alcides Miranda explicou que, embora a crítica ao modelo seja sempre reconhecida como carga ideológica, o contraponto com a defesa dos modelos administrativos também é. "Existe uma naturalização do utilitarismo. A saúde tem sido tratada com uma noção pragmática da inevitabilidade sobre o modo de governar circunscrito ao curto prazo", posicionou-se.
O representante do Conselho Nacional de Saúde lembrou também a questão da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). "Toda empresa brasileira é criada com o intuito de lucratividade e a EBSERH ainda não mostrou como vai fazer isso. Na lei dos hospitais não está explícita qual será a fonte de lucro", apontou. Para ele, esta lógica vem crescendo em todo o Brasil é está tornando de caráter substitutivo o que deveria ser complementar. "Estamos vivendo a troca do possível da política pela política do possível. A precarização, alienação e reificação do trabalho humano está em xeque. É uma preponderância de competitividade com verniz de governança cooperativa", analisou.
Para Lígia, muitos setores estão passando por este fenômeno. "Tudo virou OS. É uma realidade que estamos vivendo, mas o que temos que pensar é: com esta nova iniciativa, os plantões estão completos? Os anestesistas estão sendo contratados sem ser Pessoa Jurídica? Sabemos que não e que a importância que se dá hoje é ao padrão competitivo. É preciso que seja realizada uma avaliação menos contaminada. A do Banco Mundial, por exemplo, não indaga este novo modelo, já aponta que dá certo. É necessário avaliar as vantagens e desvantagens, de uma forma mais científica e menos parcial. Desta forma, encontraremos modelos mais favoráveis aos princípios constitucionais", analisa.
Lígia destacou as metas, a restrição da gestão ao desempenho e a defesa por conta da transparência, eficiência e eficácia como os itens mais preocupantes. "O discurso usado é que não é possível pela administração direta. Em vez de tentar resolver os problemas, entregam nas mãos da iniciativa privada. Precisamos resolver as causas disso e não mostrar alternativas sem resolver os problemas do serviço público. Não podemos ser a favor do público da boca pra fora. Não dá mais para ter uma vida e críticas contemplativas. Só de opinião não estamos conseguindo fazer com que o SUS cresça e apareça", provocou.
Experiências pelo Brasil
A plateia também manifestou suas experiências com este novo modelo. O diretor do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), João Ezequiel, comentou que o problema a serem enfrentados na cidade é que as Organizações Sociais estão sendo concentradas na mão de famílias e que há denúncias inclusive de desvio de verbas. "Estamos com uma CPI municipal da saúde para investigar várias denúncias por meio de auditoria dos contratos firmados", anunciou.
Eurídice Ferreira de Almeida, professora da Universidade Federal da Paraíba e representante do Sindicato dos Trabalhadores em Ensino Superior do Estado da Paraíba (Sintespb) afirmou que o grande problema encontrado é o sucateamento dos servidores públicos. "Estão querendo enfraquecer nosso trabalho para que depois os outros regimes, mais precarizados, prevaleçam. Ser RJU [Regime Jurídico Único] dá mais autonomia às pesquisas e ao trabalho na área da saúde e devemos lutar por isso", defendeu.
A servidora Tânia Medeiros, do município do Rio de Janeiro, compartilhou sua experiência com a diferença salarial entre servidores e trabalhadores contratados por meio de OSs no Rio. "Hoje eu ganho R$ 1,5 mil e um trabalhador que exerce a mesma função que eu e com menos experiência recebe R$ 12 mil. É uma grande desvalorização do nosso trabalho", explica.
*Retirado da EPSJV
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