Publicado em 16/01/2013
Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 17/01/2013
Por Mauro Iasi
“Quanto tempo duram as obras?
Tanto quanto ainda não estão completas.
Pois, enquanto exigem trabalho
Não entram em decadência”
B. Brecht
A Revolução Cubana faz aniversário de 54 anos. Caso consideremos o quadro geral dos tempos em que vivemos, já em si um grande feito, isto é, a experiência cubana vai atravessando da metade de um século ao início do outro com uma dignidade rara em nossa época. Por isso, parabéns aos nossos camaradas cubanos!
No Congresso de fundação do PCC, em 1965, Fidel fazia um alerta que hoje ganha uma significância maior. Dizia o líder cubano:
“Não é fácil, dada a complexidade dos problemas atuais e do mundo atual, manter esta conduta, manter esse inflexível critério, manter essa independência soberana. Mas nós havemos de mantê-la. Essa Revolução não foi importada de parte nenhuma, é um produto autêntico do nosso país, ninguém nos disse como a devíamos fazer e nós a fizemos. Ninguém deverá dizer-nos como a teremos de prosseguir, e nós prosseguiremos. Aprendemos a escrever a história continuaremos a escrevê-la. Que ninguém duvide disso!”
Bom, o mundo ficou ainda mais complexo e incrivelmente mais difícil. Fidel se referia à divisão do mundo socialista e ao cisma entre URSS e China e alertava para o fato que os problemas e os rumos da revolução cubana deveriam ser pensados não a partir de modelos preconcebidos ou referencias externas, por mais importantes que esses fossem. Em outra parte de seu discurso lembrando que o marxismo é uma doutrina revolucionária e não um dogma, dizia que “pretender encerrar o marxismo numa espécie de catecismo é ser antimarxista”. Fundado neste pressuposto, Fidel desenvolve seu argumento afirmando que a diversidade das situações exigirá diferentes interpretações e aquelas que se mostrarem corretas e forem consequentemente aplicadas é que podem se chamar de revolucionárias.
Tal princípio se expressa desde a definição das formas estratégicas pelas quais se desenvolveu a luta revolucionária, a definição dos rumos econômicos quando da liderança de Che no ministério responsável, na política internacional e tantos outros exemplos.
Hoje enfrentamos uma situação ainda mais adversa. O bloco socialista se desfez, a Rússia restaurou o capitalismo num misto de monopolismo e gangsterismo, a China o restaura buscando manter o monopólio do poder político com o Partido Comunista ao mesmo tempo em que abre suas fileiras aos novos milionários que brotam do desenvolvimento acelerado da economia de mercado. Neste cenário o que vemos em Cuba tem que ser analisado com cautela. Por um lado trata-se de dar respostas a organização econômica que mantenha a ilha e suas estruturais deficiências em condições de garantir a vida de seus habitantes em um quadro em que não mais se pode contar com o bloco socialista, de outro, a intenção expressa de manter o rumo socialista e as conquistas da revolução nas áreas essenciais como saúde, educação, alimentação e outras.
As recentes mudanças anunciadas vão, aos poucos, revelando os caminhos escolhidos. Respeitando a autonomia e independência que este povo soube com dignidade conquistar só podemos lembrar os princípios anunciados por Fidel: aqueles que souberem apontar alternativas coerentes e as aplicarem de maneira consequente poderão se chamar de revolucionários, os outros serão suplantados.
Nas circunstâncias em que se encontram, os cubanos parecem partir da constatação que é necessário abrir setores da economia ao mercado e reduzir a dimensão da estrutura pública socializada, mantendo o controle político ao reforçar as estruturas do poder popular e a capacidade de direção do Partido. Há uma evidente aproximação da referencia chinesa, mas há diferenças evidentes não apenas pela dimensão das economias dos dois países, como da história política destas formações sociais tão distintas. Esperamos, sinceramente, que os resultados sejam também distintos.
Como estamos iniciando um novo ano, vamos apenas desejar sucesso aos nossos camaradas e confiar em sua determinação de manter nossas metas e horizontes socialistas, pois eles são estratégicos no mundo que viveremos daqui para adiante, para Cuba e para a humanidade. No mesmo discurso Fidel afirmava: “Saberemos correr os riscos desse mundo com dignidade e serenidade. Nossa sorte será a dos outros povos e nosso destino será o destino do mundo”. Para o bem, ou para o mal.
Em épocas como estas, quando exilamos em nós as certezas e convicções que o mundo parece abandonar, abre-se a possibilidade do destino trágico, como teorizou tão bem Lukács. Então busquemos na poesia e na arte a forma de expressão de nossas angústias.
Aqui, mais uma vez, recorro à Silvio Rodriguez que em uma música me lembrou: Martí me ensinou, e creio nele a cada dia, ainda que a crua economia tenha parido outra verdade.
Em seu mais recente álbum, Segunda Cita, Silvio produziu um verdadeiro manifesto em uma canção especialmente dedicado ao aniversário da Revolução Cubana (neste caso, a música foi composta em 2008, ao 49a aniversário) que se chama Sea Señora. Na nota explicativa que acompanha o encarte o autor aclara suas intenções aos dizer que a canção “é um voto à evolução política em Cuba, sem esquecer os pilares de nossa história”.
Após, nos primeiros versos, expressar seu desejo que esta senhora que já foi donzela, aprofunde as marcas deixadas por suas pegadas, declama:
“A desencanto, opóngase deseo. Superen el erre de revolución. Restauren lo decrépto que veo, pero déjenme el brazo de Maceoy, para conducirlo, su razón”.
Como vocês sabem, Maceo foi um dos heróis da Primeira Guerra de independência de Cuba. Mais adiante, na última estrofe, conclui:
“Las fronteiras son ansias sin coraje. Quiero que conste de una vez aqui. Cuando las alas se vuleven herrajes,es hora de volver a hacer el viajea la semilla de José Martí”.
Bom, vamos a mais um ano. Coragem!
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Confira também o post Te doy una canción: viva o 59° aniversário de Moncada, escrito por Mauro Iasi em homenagem ao assalto ao Quartel Moncada que deu início à Revolução Cubana.
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Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.
*Retirado da Boitempo
**Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 17/01/2013
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