31/01/2012
Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 03/02/2013
Fonte: risco-continuo.blogs.sapo.pt |
Por Viviane Tavares -
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz
Cerca de dez empresas públicas foram criadas pelo governo federal ao longo de uma década em diferentes setores. Para pesquisadores, é preciso ligar sinal de alerta, principalmente nos casos daquelas que vão gerir atividades do campo social.
Até onde pode ir uma empresa pública? Quais são suas especificidades que as diferenciam de uma autarquia ou de uma empresa privada? Ela de fato é o meio do caminho?
Ao ver diferentes iniciativas de criação de novas empresas públicas por parte do governo federal, estas são algumas das perguntas que dividem os que defendem este tipo de iniciativa e aqueles que são contra a criação deste tipo de empresa.
A professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Sara Granemann, afirma que a criação dessas empresas, como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), ambas no campo da saúde, são apenas uma forma não convencional de privatizar o Estado por dentro e que, por meio delas, é possível diversas manobras para se aproximar ainda mais do campo privado.
"São várias formas criadas para essa privatização que eu chamo de não convencional, como a criação das fundações estatais de direito privado, as organizações sociais (OSs), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), as Organizações Não-Governamentais (ONGs), as fundações de apoio, as empresas públicas. No entanto, todas têm o mesmo objetivo, que é o de transferir dinheiro do fundo público para interesses privados. Além disso, elas se assemelham por não estarem mais exclusivamente com a estrutura estatal, com ausência de servidores concursados, entre outros exemplos. Essas iniciativas diversas são novos arranjos institucionais e legais que promovem essa transferência de dinheiro público", explica.
Muito além dos problemas associados às empresas públicas - já citados em matérias aqui no site da EPSJV e na revista Poli como a ‘Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares: ponto para os planos privados de saúde ' e na série ‘Público e Privado na Saúde' - existe um que é mais preocupante quando se trata do campo social, como explica a presidente da ANTC (Associação Nacional de Técnicos de Controle Externo e auditora do Tribunal de Contas da União), Lucieni Pereira: a disponibilização de ações dessas empresas na bolsa de valores. "O grande problema das empresas públicas em áreas sociais como educação e saúde, por exemplo, é começar 100% pública, mas depois, constituir subsidiárias".
"Não podemos nos enganar com a forma"
Lucieni explica que a subsidiária é uma figura ainda mais flexível de gestão, de capital aberto e regulamentada pela lei da sociedade anônima (6404/76). "São empresas que funcionam para subsidiar uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista como, por exemplo, a Braspetro, que é uma subsidiária da Petrobras. Ela lança as ações no mercado, embora o Governo tenha a maioria, mas você tem a presença do particular também. Tanto as empresas públicas como as sociedades de economia mista podem ter subsidiárias, que têm outra personalidade jurídica de direito privado. E se isso acontece no campo da saúde? Teremos vários donos de planos de saúde com ações do serviço que deveria ser público", aponta.
Para que uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista crie uma subsidiária é preciso que tenha autorização legislativa, de acordo com o artigo 37 da Constituição Federal. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que essa autorização não precisa ser específica para cada subsidiária, bastando que a lei instituidora da entidade matriz permita genericamente a criação de subsidiárias. Esta, uma vez criada, assume uma nova personalidade jurídica e se encarrega de tarefas específicas em seu ramo de atividade, podendo, como já mencionado, ser vendida no mercado de ações com disponibilidade de até 49% de capital privado.
Sara Granemann compara uma sociedade de economia mista e uma empresa pública e chega a conclusão que são iguais em sua essência. "Não podemos nos enganar com a forma. A forma de agir entre uma Petrobras, que é uma sociedade de economia mista, e da Ebserh, que é uma empresa pública ,é a mesma. Ambas foram criadas com fundo e patrimônio público e, ao longo de seu desenvolvimento, acabam optando pelo caminho que é o de distribuição de lucros entre seus acionistas. A Ebserh desde o seu início apontou neste caminho, mas depois voltou atrás e mudou a redação da lei de sua criação; mas, na verdade, a intenção continuou a mesma", analisa.
A Ebserh, na redação da lei de sua criação, apontava que ela seria uma sociedade anônima operada por ações. Após diversos protestos e posições contrárias a esta iniciativa, o texto foi mudado para a possibilidade de criar subsidiárias. "Na primeira vista, para saber que a subsidiária pode ter capital aberto, é preciso conhecer o que quer dizer uma subsidiária e as possibilidades que a lei que a rege permite. A redação foi mudada para dificultar a compreensão", diz.
Empresas públicas com atuação na área social
Entre as possibilidades apontadas pelos apoiadores deste modelo de gestão que vem sendo implantado desde a Reforma da Gestão Pública estão a agilidade, flexibilidade e dinamismo. Sara Granemann lembra que esta justificativa vem desde a Reforma de Bresser Pereira em 1995, que apontava para a necessidade de uma reestruturação voltada à descentralização da estrutura organizacional do aparelho do Estado, criando a partir daí as agências executivas, regulatórias, as organizações sociais e as empresas públicas, além das inúmeras privatizações.
"Essa justificativa de dizer que é preciso que seja mais rápido e ágil é exatamente a mesma explicação para fazer a contrarreforma do Estado, reduzindo o social e aumentando o capital. É a mesma explicação que deram, por exemplo, quando criaram as fundações nas Universidades [públicas] e que têm sido denunciadas pelo país inteiro como portas abertas para a corrupção, para passagens de recursos sem o controle social, além de diferenciações para os trabalhos. Por que não constituímos equipes para fazer essas pesquisas mais rápidas ou pensamos em leis que nos possibilitem essas agilidade? Na UFRJ, por exemplo, existia apenas um servidor para fazer as compras de toda a universidade, que é uma das maiores do país", relembra.
Para Lucieni, a criação destas novas empresas públicas no campo social pode refletir em menos espaço de serviços sociais para a população. "Hoje os nossos serviços já são escassos e já temos um problema de oferta e demanda. A Constituição, no artigo 173, deixa muito claro que o Estado vai atuar na atividade econômica em caráter excepcional. Não faz sentido e não me parece uma atividade excepcional a manutenção de instituição oficial de ensino e a prestação de serviço de saúde. O Estado não pode vender serviços de saúde, não tem como qualificar a prestação de um serviço público de saúde como atividade econômica. Uma atividade econômica pressupõe obrigatoriamente oferecer o serviço e receber alguma coisa em troca como, por exemplo, o serviço de energia elétrica fornecido e a cobrança da tarifa: se ela não for paga, eles vão lá e cortam. Tem um dispositivo constitucional no artigo 175, que prevê alguns serviços públicos que o Estado poderá prestar mediante concessão ou permissão. Fica impossível dentro do contexto constitucional hoje, como é apresentado no artigo 170 a 175, da constituição cobrar por serviços essenciais como a saúde, educação e segurança pública, e é essa a proposta das empresas públicas que estão sendo criadas no campo social", argumenta.
Ebserh e a autonomia universitária
A Ebserh tem por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência à comunidade, bem como de apoio ao ensino, pesquisa e extensão às instituições públicas federais de ensino. No entanto, Lucieni Pereira afirma que ela não garante a autonomia universitária, além de prejudicar a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. "As empresas públicas e suas subsidiárias não são dotadas dos escudos constitucionais necessários para a realização de pesquisas com liberdades como as Universidades, que são entidades autárquicas especiais dotadas de autonomia didático-científica. Portanto, além de ter outra finalidade, que é a de exploração da atividade econômica, as empresas públicas no campo da saúde e também da educação ,como a EBSERH, não vão garantir uma pesquisa e formação de qualidade".
Analisa e acrescenta: "Se eu começo a colocar ensino para uma entidade, pesquisa para uma empresa e a extensão em uma subsidiária, eu começo a ter problema com ensino. É uma distorção achar que uma empresa com personalidade jurídica própria, como uma subsidiária, empresa pública ou sociedade de economia mista, vão se sujeitar a uma universidade. Isso é uma bobagem", reflete.
De acordo com a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, até o momento, quatro universidades aderiram à gestão de seus hospitais universitários pela EBSERH: UnB, UFPI, UFTM, UFMA, sendo que oito (UnB, UFPI, UFBA, UFMT, UFAM, UFPEL, UFRN, UFSM) já aprovaram e duas (UFPR e UFCG) rejeitaram o contrato nos respectivos Conselhos Universitários.
*Retirado da EPSJV
**Republicado no blog da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde em 03/02/2013
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