07/06/2013
O operário Jaílson, que vive no entorno do Itaquerão, é símbolo das contradições da Copa: enquanto dá duro para acelerar as obras, corre o risco de ver sua casa no chão
Por Ciro Barros, do Copa Pública*
“Aquele primeiro bar ali é do Jaílson, procura ele lá que você vai achar”, me disse, de dentro de seu próprio bar, apontando para a direita, o motorista Pedro Fortunato, o Seu Pedro, figura notória da Comunidade da Paz, em Itaquera, zona Leste de São Paulo. O relógio marcava 17h20, mas a noite já ensaiava aparecer às margens do córrego do rio Verde quando chego ao bar indicado, uma birosca típica de favela, que toca alto um pagode romântico dos anos 1990 – enquanto estive ali, além dos pagodes de Belo, Alexandre Pires e Revelação, ouvi o rap dos Racionais MC’s e Sabotage.
O comércio que complementa a renda do operário é simples: chão de terra batida, iluminação de uma única lâmpada (a energia vem de uma “gambiarra”, assim como a água), um pequeno balcão ao fundo, algumas poucas pessoas bebendo e jogando sinuca. Encontro os olhos claros de Jaílson atrás do balcão. Ele me estende a mão calejada pelo trabalho braçal e nem me deixa me desculpar pelo atraso, diz que tinha acabado de chegar também.
Jaílson ainda veste as calças amarelas com faixas refletoras de luz e botas grossas, o uniforme usado na construção civil. A Copa do Mundo, decidida por engravatados em escritórios de Genebra, o transformou numa contradição ambulante: o operário mora na comunidade vizinha ao estádio, ameaçada de remoção exatamente pelas obras em que trabalha. Ele é encarregado da “armação”, passa o dia montando armações metálicas para receber concreto nos canteiros das obras viárias do futuro estádio do Corinthians e do Polo Institucional de Itaquera, colado ao estádio, que contará com uma Fatec, uma Etec, uma biblioteca, unidades do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar e um parque linear.
Idealizado na gestão de Gilberto Kassab (PSD), o projeto da prefeitura de São Paulo foi incluído nas obras da Copa e apresentado como um legado do evento mundial para a cidade. O prazo para a conclusão das obras, meados de 2014, angustia os moradores da Comunidade da Paz que, como Jaílson, não sabem o que será feito deles depois.
“Me bate uma tremenda revolta, cara. Acho uma tremenda falha e erro do ser humano”, ele diz de modo assertivo, direto, olhos nos olhos. A voz seca, a expressão sisuda parecem encarar o sofrimento com naturalidade. Penso em Fabiano, protagonista de Vidas Secas, acostumado a se conter diante da face dura que a vida lhe mostrou. Como o personagem de Graciliano Ramos, Jaílson se sente massacrado a ponto de duvidar de sua condição humana: “Me sinto tratado como lixo, como um animal”, resume.