A discussão a respeito das políticas públicas sobre drogas tem gerado, em todo o país, preocupações que mobilizam a sociedade, desencadeando manifestações que denunciam violações de direitos humanos, estigmatização do usuário, retrocessos e o retorno de práticas de exclusão como modo de tratar o sofrimento humano. Exemplos disto são as chamadas internações forçadas realizadas em São Paulo e Rio de Janeiro que, por terem sido amplamente divulgadas, levam à crença de que apenas estas cidades adotam a violência como resposta ao consumo de drogas.
Em vinte anos de percurso, a Política de Saúde Mental de Belo Horizonte soube não ceder a chantagens e pressões, apresentando-se todas as vezes que foi demandada e interpelada para assumir a responsabilidade que lhe cabia, mas também para convidar à construção de possibilidades de inclusão. Decorridos tantos anos e tendo a rede se firmado como referência para o tratamento, como porta aberta, acessível e responsável pelo acolhimento, cuidado e proteção aos usuários, assistimos, com tristeza, a escolha por outra direção.
Em nome do horror à droga e fazendo coro com o alarmismo geral, a gestão atual, sem questionar nem propor saídas coerentes com a prática e história da Saúde Mental do município, passa a ser a mera executora de ordens dadas pelo judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.
Os pedidos de internações compulsórias entre setembro de 2012 e agosto de 2013, que chegaram aos hospitais psiquiátricos Instituto Raul Soares e Hospital Galba Veloso, já ultrapassam a quatrocentos e cinquenta (450). A maioria desses usuários é proveniente do interior do estado, mas, infelizmente, Belo Horizonte não faz diferente: segue a prática do gestor estadual e faz ainda pior. A gestão municipal retira dos serviços da sua rede usuários em tratamento, inclusive em Centros de Referência em Saúde Mental - CERSAMs, para interná-los, cumprindo a ordem dada por outros, em hospitais psiquiátricos e em comunidades terapêuticas.
O gestor municipal da Saúde, ao se submeter a ordem externa, rompe com o compromisso de ser o condutor da política de Saúde. Para cumprir a ordem imposta, desautoriza serviços e intervêm sobre o tratamento e coloca recursos de atenção à urgência, como as equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU (amparadas pela polícia) para funcionarem como equipamentos de captura e não de tratamento e cuidado.
Lembramos que tais medidas não encontram respaldo nem nas leis da Reforma Psiquiátrica, nem na de políticas sobre drogas. A lei 10.216 inscreve a internação, em quaisquer de suas modalidades, como um último procedimento. O que não se aplica a tais situações, posto que os usuários estavam em tratamento. O que ocorreu não foi o cumprimento da lei, ou melhor, o acesso ao direito à saúde, mas produção de violência e desrespeito.
Curiosamente, as normas do Sistema Único de Saúde - SUS não são tão observadas. Ou melhor, em nome de acordos políticos, a gestão torce e desrespeita o que preconizam as normativas do SUS.
A ampliação dos consultórios de rua exemplifica esta afirmação. Fruto de uma farsa política que desconsidera ou desconhece a prática das equipes dos consultórios públicos já existentes, este arranjo grotesco, formatado em ação entre o município de Belo Horizonte e o governo estadual, foi posto em prática para atender as demandas das comunidades terapêuticas, instituições privadas e de caráter religioso. Esta parceria introduziu nas cenas de uso de drogas, equipes que trabalham orientados por estas instituições e que, em campo, recolhem e internam, além de impor a abstinência e adoção de credo. Por desconhecimento ou por decisão, o gestor põe em risco as equipes dos consultórios de rua públicos já existentes anteriormente e inviabiliza o trabalho com os usuários, atravessados por equipes cujos princípios e práticas são completamente opostas.
Lamentável escolha e injusta intervenção sobre uma política que é patrimônio vivo da cidade de Belo Horizonte. E, em nome desta lembrança e por respeito a este patrimônio, convidamos o gestor de Saúde do município a rever sua posição, a abrir o diálogo e retificar sua condução, dando assim continuidade e contribuição à escrita de uma história que fez desta cidade referência no tratamento em saúde mental. A escrita que desejamos ver produzida é a da história de uma arquitetura de inclusão e não a da destruição de um patrimônio coletivo.
Belo Horizonte, 10 de Outubro de 2013 - DIA MUNDIAL DA SAÚDE MENTAL!!!
Assinam:
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais - ASUSSAM
Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
Fórum em Defesa do SUS e Contra as Privatizações
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Frente Mineira sobre Drogas e Direitos Humanos
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial
Sindicato dos Psicólogos de Minas Gerais
*Enviado pela RENILA
Parabéns aos responsáveis pela iniciativa!
ResponderExcluirA sociedade civil precisa se posicionar e exigir respeito em relação às suas construções históricas.
Infelizmente, os gestores públicos ainda ignoram as funções sociais de todos, inclusive as deles...
Thamara Fernandes - SP