Esta é uma breve e importante síntese sobre a realidade portuguesa quanto à Saúde.
Crise, Austeridade e Privatizações: O caso da Saúde em Portugal
Por Isabelle Mendes, mestranda em saúde coletiva UFPE e
militante da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde.
Em tempos de crise do capital, de austeridade, quem mais paga a dívida do Estado, no caso do Estado português à Troika, é a classe trabalhadora. Cortes na Previdência Social, cortes no setor Saúde, cortes nos salários dos trabalhadores, demissões massivas progressivas no setor público e no setor privado, fechamento de unidades de serviços de Saúde, dentre outras medidas tomadas, vem fragilizando a cada dia a realidade das massas menos abastadas no país.
A crise financeira e econômica, mais do que um lugar-comum, tornou-se uma realidade na vida de um número crescente de pessoas através de fenômenos como a diminuição do poder de compra, o desemprego e o consequente risco de pobreza com tudo o que lhe está associado. A resposta à crise dos últimos anos tornou-se o tema central de todas as discussões, de leigos a especialistas, bem como da agenda do espaço europeu.
Esta é uma crise grave que afeta seriamente a Saúde dos portugueses. Para uma resposta adequada à crise, é indispensável entender as suas causas. É importante conhecer os fatores “externos” e “internos” que desencadearam e sustentam a atual crise. Na conjuntura que o país tem atravessado, o ponto de partida de uma política teria de ser a análise precoce do impacto esperado da crise econômica e social na saúde das pessoas e no sistema de Saúde português.
Em 2011 foi lançado o "Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Econômica", com propostas como o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira proposto (imposto) pela Troika (Banco Central Europeu, FMI, Comissão Européia) a países europeus como orientação para a saída da crise. No documento há um capítulo específico para o setor Saúde, que no caso de Portugal, entre outras medidas, aponta para:
- Reduzir o custo orçamental global com sistemas de saúde dos trabalhadores em funções públicas; controlar os custos no setor;
- Reduzir a despesa pública com medicamentos para 1% do PIB;
- Reformar o Sistema de Saúde;
- Aumentar as taxas moderadoras do Serviço Nacional de Saúde (SNS);
- Implementar um controle mais rigoroso das horas de trabalho e das atividades dos profissionais nos hospitais;
- Reduzir os custos com o transporte de doentes;
- Reduzir o número e salários de profissionais do setor.
O Governo português foi para além da Troika, pois antecipou os cortes no Orçamento da Saúde, agravando, num período socialmente crítico para o país, as pressões sobre o bom funcionamento do sistema de Saúde. Ha múltiplos indícios de que o empobrecimento dos portugueses, associado à extensão e ao aumento substancial das falsas “taxas moderadoras” (pagamentos no ato da prestação dos cuidados) e a dificuldades crescentes com os transportes (para alem da evolução dos tempos de espera), dificultam o acesso aos cuidados de Saúde de muitos portugueses.
A universalidade (constitucional) do Sistema Nacioanl de Saúde (SNS) está centrada nos princípios de um seguro público de saúde: pagar enquanto se pode, de acordo com os rendimentos de cada um, para receber mais tarde quando se precisa. São as taxas moderadoras o qual muda o status do sistema de Saúde de gratuito para tendencialmente gratuito desde os anos 1990.
No país discuti-se diariamente a sustentabilidade do SNS, tanto financeira como politicamente. Há sinais de uma agenda não-universalista; ausência de uma linha clara de orientação no investimento em Saúde e no desenvolvimento organizacional do SNS; desmotivação dos profissionais e insatisfação de uma população mais vulnerável com a resposta do SNS; e fortalecimento da flexibilização da gestão dos serviços (privatizações).
A mídia tem apontado que o Governo Nacional vem deixando o Serviço Nacional de Saúde “no osso, no mínimo dos mínimos”, com orçamento reduzido sucessivamente nos últimos três anos. O Ministério da Saúde, segundo a proposta de Orçamento de Estado para 2013, teve a uma redução de 17% face à despesa de 2012. Na proposta orçamental para 2014 prevê uma redução de 200 milhões de euros para o SNS.
Esboça-se, assim, um caminho aberto para um SNS de serviços mínimos. Essas reduções são reveladoras de um pensamento político que passa por transferir, cada vez mais, grande parte das despesas com saúde para as famílias, desresponsabilizando o Estado da garantia ao direito à saúde universal para a população.
Respostas dos Trabalhadores da saúde
Em meio aos inúmeros desmandos do Governo do presidente Coelho Passos e do Ministro da Saúde Paulo Macedo, rotineiramente os trabalhadores se mobilizam contra o processo de fragilização do SNS de Portugal. Greves, ocupações do Ministério da Saúde, marchas pelas cidades com forte solidariedade da população.
No serviço de emergência nacional ‘Saúde 24 hs’, a qual possui gestão terceirizada, no ultimo mês de dezembro, foram demitidos 150 enfermeiros, segundo os trabalhadores uma ‘imposição coerciva e injusta’ além de importante redução salarial dos que permaneceram no serviço.
Em 2013, o Observatório Português do Sistema de Saúde (OPSS) alerta para um “país em sofrimento”, com indícios de que a austeridade estaria a dificultar o acesso dos portugueses a cuidados de saúde. O documento estratégico desmascara em “Duas faces da Saúde”, confrontando a “versão oficial” com dados e estudos disponíveis sobre a “experiência real das pessoas”. Um dos estudos evidencia que, entre uma amostra de idosos com mais de 65 anos, residentes em Lisboa, cerca de 30% deixaram de utilizar alguns recursos de saúde por não poderem comportar os custos. Outro fala num aumento de 47% de tentativas de suicídio e de 30% dos casos de depressão registrado numa unidade local de Saúde.
As perspectivas são de que a austeridade continue e que os impactos da crise sobre a saúde da população tornem-se mais alarmantes neste ano que se inicia.
Saiba mais:
Clique aqui e acesse o Relatório Primavera do OPSS
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