Por Alisson Sampaio e Nícolas Magno
Que a Saúde pública em Aracaju vem sendo há tempos uma das principais reclamações da população, não há dúvidas. Entretanto, existe uma incerteza no que diz respeito ao impacto que a política de Saúde da atual gestão do prefeito João Alves Filho trará para o povo aracajuano, isso devido a medidas antipopulares adotadas desde o início do seu governo e que vêm trazendo ônus para o setor.
A situação das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) da capital, Nestor Piva e Fernando Franco, vêm enfrentando dificuldades já há algum tempo, como falta de insumos e escalas incompletas. Na semana passada, a situação foi agravada a ponto dos Conselhos de Medicina e Enfermagem e o Ministério Público Estadual realizarem uma interdição ética no Nestor Piva, sendo o mesmo liberado apenas no final de semana com o mínimo necessário para o seu funcionamento, ainda que de forma precária.
Para os mais desatentos, a política de Saúde da atual gestão parece ser “mais do mesmo” do que vem acontecendo há anos. Entretanto, ao olharmos mais de perto o desenrolar dos fatos, vemos que a proposta de João Alves para a Saúde do Município vai além de pintar os muros das unidades de Saúde de verde: trata-se, incrivelmente, de aprofundar ainda mais os problemas já encontrados!
Em 21 de maio de 2013, a população aracajuana foi surpreendida com a entrada para votação na câmara de vereadores, em regime de urgência, do Projeto de Lei Ordinária 118/2013 (clique aqui para ver), norma jurídica vinculada Lei 4.383/13, o qual criava as Organizações Sociais de Saúde (OSs) que passariam a gerir as UPAs da capital. Não tendo sido suficiente a presença de diversas entidades, movimentos sociais, sindicatos e trabalhadores da área da Saúde que se manifestavam contrários às OSs, o PL foi aprovado de forma atropelada e arbitrária pelos vereadores da base do prefeito, tendo votado contra a medida apenas 4 vereadores.
Em julho do mesmo ano, a justiça concedeu liminar não autorizando que a prefeitura entregasse a gestão das UPAs às OSs, importante vitória para os defensores do SUS. Entretanto, com a crise do Zona Norte e do Zona Sul na semana passada, o Tribunal de Justiça decidiu no último dia 25 de fevereiro pela liberação da contratação das Organizações pela prefeitura. Tal fato nos faz pensar se a precarização ao extremo do serviço das UPAs não foi realizada intencionalmente para justificar a sua privatização. Enquanto isso, quem sofre é a população.
Mas afinal, que mal podem trazer as OSs para a Saúde de nossa cidade?
Tal modelo se dá pela transferência da gestão de unidades de Saúde públicas para as mãos de uma entidade privada, sendo então gerida segundo as leis que regem o setor privado. Com isso, o gestor poderá realizar contratações temporárias de pessoal sem a necessidade de realizar concurso público, dispensar o uso de licitações para aquisição de material hospitalar, assim como para realizar prestação de contas a órgãos internos e externos da administração pública. A forma de contratação de pessoal reforça a instabilidade no emprego, não resolvendo de uma vez por todas, por exemplo, os buracos nas escalas e no quadro de pessoal das UPAs de Aracaju. A utilização de processo licitatório no serviço público é uma forma de controle para evitar fraudes, superfaturamento e troca de favores com empresas (que muitas vezes financiam campanhas eleitorais) e aliados políticos.
Sem a devida discussão sobre o tema, a maior parte dos vereadores favoráveis às OSs alegava que existem diversos exemplos exitosos pelo país em que unidades de Saúde foram entregues a OSs.
Contrariamente aos argumentos dos vereadores, existe um relatório analítico dos prejuízos que as OSs trouxeram ao erário público, à população usuária e aos trabalhadores da Saúde em diversas partes do país. O documento tem um nome bastante sugestivo: "Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil" (clique aqui para acessar). Vamos então aos fatos.
Em Salvador, o MPE e o MPF ajuizaram Ações Civis Públicas que denunciaram atos de improbidade administrativa cometidos no âmbito da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), entre 2001 e 2004, que resultaram aos cofres públicos em um prejuízo de cerca de R$ 11 milhões. A SMS e a Real Sociedade Espanhola de Beneficência (OS contratada) estão sob investigação pela denúncia feita pelos MPs em 2009, com relação aos vícios encontrados na execução de um contrato firmado pela SMS e RSEB para terceirização dos Programas Saúde da Família (PSF) e de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), com prejuízo estimado em R$ 40 milhões.
Em dezembro de 2010, o governo estadual de São Paulo aprovou na Assembléia Legislativa o projeto de lei que permite que até 25% dos atendimentos de hospitais de alta complexidade do Estado, terceirizados para Organizações Sociais, possam ser destinados a convênios com planos privados de Saúde. Isso significa que os hospitais geridos por OSs passarão a atender usuários tanto do Sistema Único de Saúde (SUS), como também de planos de saúde privado. É inegável o caráter privatizante das OSs ao bem público.
Apesar dos diversos ataques e privatizações que o SUS tem sofrido desde a sua criação, houveram diversos avanços constitucionais na Saúde em favor da população que fazem do SUS um modelo de referência internacional, e é por isso que o defendemos. A garantia de saúde como “um direito de todos e dever do Estado” precisa ser respeitada pelos gestores. Ao transferir unidades de Saúde da gestão da prefeitura para serem geridas por entidades privadas, o prefeito João Alves e seus secretários só fazem dar um atestado de sua incompetência administrativa.
Enquanto não enfrentarmos questões estruturantes como o aumento do financiamento para a Saúde pública, formação de recursos humanos para o SUS, maior investimento na atenção básica, valorização profissional e garantia do controle social no andamento das políticas públicas, não avançaremos na construção de um projeto popular para a Saúde. Pior, continuaremos a assistir a cada quatro anos pintores de paredes trazendo uma mensagem do “novo” na aparência, mas que na essência conserva um modelo de atenção à Saúde precário e pouco resolutivo.
Alisson Sampaio, coordenador de saúde do DCE da UFS e membro do Levante Popular da Juventude. Nícolas Magno, coordenador do Centro Acadêmico de Medicina da UFS/São Cristóvão
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