10/04/2014
Por Viviane Tavares,
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Máxima das manifestações no Dia Mundial da Saúde relaciona os investimentos ao mundial com a escassez de financiamento ao SUS, além de repetir pautas que não foram atendidas.
O Dia Mundial da Saúde, criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e celebrado no dia 07 de abril, trouxe uma nova temática este ano: a Copa do Mundo de Futebol. Diversas entidades e movimentos sociais foram às ruas em diferentes cidades como Maceió (AL), Rio de Janeiro (RJ), Florianópolis (SC) e Vitória (ES) para pedir mais investimento na Saúde Pública, denunciar as crescentes privatizações dentro do sistema de Saúde, além de relacionar os investimentos da Copa com a escassez de recursos dos serviços públicos.
A representante da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde e professora da Escola de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maria Inês Souza Bravo, explica a relação. “O dinheiro que vem sendo aplicado na Copa do Mundo está sendo desviado das políticas sociais. Por isso, este ano temos esse tema como forma de denunciar esse desvio”, diz. O texto do panfleto distribuído durante a manifestação do Rio de Janeiro e elaborado pelo Fórum de Saúde da cidade aponta que a previsão de gastos pelo governo estadual com os dois megaeventos é de R$ 644 milhões e a Prefeitura fica com o somatório de R$ 820 milhões. “Além disso, a Copa e as Olimpíadas servem como desculpa para diversas outras obras, como a do Porto Maravilha, que custará R$ 7,6 bilhões aos cofres públicos”, diz o material.
O estudante de mestrado da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e integrante do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro explica que as reivindicações das manifestações de junho e julho também ajudaram a pautar o Dia Mundial da Saúde deste ano. “Além de a pauta da Saúde ser uma das mais presentes nas manifestações, nós também tivemos o esforço de articular a nossa pauta com outras, como a da moradia e transporte, porque a saúde, na concepção ampliada do Sistema Único de Saúde, tem esse sentido. E hoje vemos diversos movimentos sociais se agregando cada vez mais a nossa manifestação”, avalia.
Entre as pautas mais recorrentes em todos os anos, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) foi a que liderou as reivindicações. “A Ebserh é mais uma tentativa do Governo Federal de jogar o serviço público na mão da iniciativa privada. Além de ameaçar a qualidade dos serviços prestado à população, ameaça também o cenário de prática, pesquisa e extensão em Saúde dos estudantes, professores e técnico-administrativos da saúde na UFSC”, disse a nota distribuída durante a manifestação de Florianópolis. Na UFSC esse processo está avançado em relação à adesão do modelo.
Em Vitória (ES), além da Ebserh, as Organizações Sociais (OSs) também foram motivo para a descomemoração da data. A manifestação - que foi organizada pelo Fórum Capixaba em Defesa da Saúde Pública e pelo Sindicato dos Trabalhadores da Ufes (Sintufes), que estão em greve desde o dia 17 março – trazia cartazes como “Xô OSs! Sai desse SUS que não te pertence”.
Rodrigo Ribeiro, representante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na manifestação do Rio de Janeiro, exemplifica que a situação do Pará, por exemplo, onde houve a primeira adesão à Ebserh, aconteceu uma greve grande porque, em vez de se ter o funcionamento do hospital universitário, só estavam em funcionamento os ambulatórios, embora a unidade tivesse recebido recursos para realizar procedimentos cirúrgicos, entre outras coisas. Sonia Lima, da direção nacional do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, explica que as lutas do ano passado foram reforçadas. “O governo implementou um curso muito mais violento de privatização, por isso esse atos em diversas cidades hoje é mais vibrante. Mas, ao mesmo tempo, acumulamos vitórias importantes ao longo deste ano. Isso não só tem a ver com a capacidade organizativa dos fóruns de Saúde, mas também com a ampliação daqueles que lutam. Militantes de movimentos sociais, populares e sindicatos, a partir das jornadas de junho, entenderam essa necessidade. Não só a compreensão muda a vida, como também a compreensão de que é necessário cada vez mais estarmos juntos para barrar a privatização, que hoje está cada vez mais violenta”, disse.
A realidade do Rio de Janeiro também não foi diferente: “Do ano passado para cá, temos algumas continuidades e algumas mudanças. Estávamos lutando também contra a RioSaúde, que infelizmente foi aprovada na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, mesmo com toda nossa luta do ano passado, e a Ebserh Saúde Brasil, que também aparece para os hospitais estaduais. Uma outra questão que se acelera a partir deste ano é a questão dos subsídios aos planos privados de saúde. Temos agregado à nossa pauta inicial, de um SUS 100% estatal, de qualidade e contra todas as formas de privatização, a questão dos planos privados”, explica Maria Inês.
Financiamento e gestão do trabalho
Outros temas mais do que presentes ao longo dos anos, em que diversas entidades vão às ruas para protestar, são a precarização do trabalhador da Saúde e o financiamento do SUS. “Isso é histórico e todo dia 07 de abril, quando nós descomemoramos a saúde, batemos na mesma tecla: subfinanciamento da Saúde. Pedimos, por exemplo, 10% do PIB, mas 7% ou 8% já seria de boa monta, já que países vizinhos nossos têm o investimento na casa de 6% e 5%, como o Chile, e nós estamos na faixa dos 4%. Isso é muito pouco”, explica o diretor do Associação de Docentes da UFRJ (Adufrj), Romildo Bonfim, e acrescenta: “Outro ponto que vem se repetindo é a precarização de contratação dos profissionais da Saúde, que, com o advento crescente da Ebserh e das OSs, vem piorando”.
A agente comunitária de Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro, Leni Ludiere, que também estava presente na manifestação, comprova a defesa de Romildo. Precarizada há mais de 12 anos, hoje ela está sem contrato. “Estamos aqui lutando pela nossa contratação. Hoje não sabemos nossa situação de contratação, porque vai abrir um novo processo seletivo e não sabemos como ficaremos. Queremos que o prefeito Eduardo Paes cumpra a lei 11.350, mas ele não quer assinar nossa efetivação”.
O representante do Fórum Popular de Políticas Públicas de Duque de Caxias (RJ), Leandro Alberto, explica que o processo de privatização da gestão tem acentuado a contratação de força de trabalho terceirizada, que causa uma grande rotatividade e descontinuidade nos processos. “Isso não assegura o acesso universal de qualidade. A Saúde é uma das principais pautas nacionais. E o governo se nega a realizar concursos públicos, a construir uma máquina estatal que garanta dependência ao poder público na prestação destes serviços, justamente por conta dos interesses de atendimento ao capital financeiro”, explica, e completa: “Hoje uma parte considerável dos recursos para Seguridade Social são destinados ao pagamento da dívida pública”. Hoje a dívida pública consome 40% do orçamento geral da União.
Mais Médicos e outras pautas
Outro questionamento que trouxe divergências este ano foi o Programa Mais Médicos. As diferentes vozes presentes nas manifestações apontavam que a solução apresentada pelo Governo Federal após as jornadas de junho não correspondem às necessidades de saúde no cenário atual. “Particularmente, sou contra a forma como ele está. Em primeiro lugar, começa pelo título. Nós precisamos levar ao interior mais profissionais de Saúde. Em segundo ponto, tem a forma de contratação, visto que, ao interiorizar o profissional sem uma política de fixação, não se resolve o problema da Saúde e a falta de vínculo, e pode-se repetir o que aconteceu agora com a médica cubana [Ramona Rodriguez], porque desrespeitam-se as leis trabalhistas”, critica.
Para Rodrigo Ribeiro, a proposta do Mais Médicos dividiu alguns movimentos. “Este governo saiu de um movimento popular, e eles sabem dividir. O programa afeta a categoria dos médicos, mas afeta mais ainda toda a população brasileira, porque não responde às necessidades que conhecemos desde a 8º Conferência de Saúde, de que a saúde é também moradia, habitação. Além disso, esquece as outras categorias que fazem parte do setor de Saúde”.
Contrabalanceando as críticas aos governos em relação à Saúde, o representante da Adufrj faz um elogio aos vetos que a presidente fez à lei 12.842/2013, conhecida como Ato Médico. “A Dilma está destruindo a saúde pública do país, mas nisso ela acertou. Se o ato fosse aprovado sem veto, seriam delegadas aos médicos atividades da nutrição, fonoaudiologia, da enfermagem, fisioterapia. Isso é algo inimaginável”.
No Rio de Janeiro, a categoria médica fez uma manifestação pela manhã, não se juntando a da tarde, na qual estavam representantes de diferentes entidades e categorias. “Nós fizemos um esforço de unificar todos os movimentos em prol da Saúde, tanto que o ato de hoje abarca todos os partidos políticos e os anarquistas. O problema não é com os médicos, e sim com algumas entidades médicas. O que nos foi justificado é que os médicos têm consultório e trabalham na parte da tarde, por isso não puderam participar da nossa manifestação”, explica Maria Inês Bravo.
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*Retirado do EPSJV
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