quinta-feira, 9 de abril de 2015

“OSs são nefastas para a população, para os trabalhadores e para os cofres públicos”


A professora e pesquisadora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Maria Valéria Costa Correia, explica os efeitos nefastos do processo de privatização do serviços públicos nos níveis municipal, estadual e federal no Brasil, em especial na Saúde.


Devastador. Esse é o termo usado pela professora e pesquisadora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Valéria Correia, para definir o processo de privatização do serviços públicos nos níveis municipal, estadual e federal no Brasil, em especial na Saúde.

Docente na Faculdade de Serviço Social da Ufal e representante do Fórum Alagoano em Defesa do SUS e da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, Valéria analisa os mecanismos da privatização mascarada que se instalou feito doença no país por meio das Organizações Sociais (OSs) e Oscips. Na entrevista concedida ao Ataque aos Cofres Públicos, ela dá o diagnóstico certeiro e o tratamento para erradicar esse mal.

Por que é necessário resistir à implantação de OSs e outras entidades do gênero nos serviços públicos?

A gente sabe que o processo de privatização da Saúde é devastador já não é de hoje. E não é só no Brasil. Sabemos também que um dos pilares para os empresários enfrentarem a crise estrutural do capitalismo que hoje se constata no mundo é avançar na privatização por dentro do Estado. No Brasil, isso se dá via OSs, Oscips e fundações. Assim, o estado abre mão de executar as políticas sociais e serviços públicos, especialmente na SWaúde, e passa para o mercado. Acontece que saúde não é mercadoria. O caráter universal e público da saúde tem que ser preservado, porque estamos falando de vidas. Esse tipo de privatização é nefasta para a população e atende aos interesses de uma só classe, a classe dominante.

Como esclarecer a população da gravidade das OSs nas unidades?

Primeiro é preciso entender que esse nome Organização Social não tem nada de "social". De civil não tem nada. São entidades privadas, ditas sem fins lucrativos. Por aí já começa a incoerência, pois não existe entidade privada sem fins lucrativos. Para dar um exemplo ao pessoal de Santos, em São Paulo nós temos uma empresa da construção civil que se cadastrou para virar OS e está atuando em hospitais. Ora, se ela entrou no ramo hospitalar e vem da construção civil, ela é uma entidade caridosa? Claro que não. Tem interesses econômicos nesse filão que usa dinheiro público. Então é preciso entender que OS é associação privada administrando o SUS. É o fundo público de saúde capturado por entidade privada.

Quais outros fatores que depõem contra as OSs e Oscips?

Já existe a constatação, através de vários documentos oficiais de Ministérios Públicos estaduais e federal e também dos tribunais de contas de que terceirizar é ruim para a população e para os cofres públicos. O próprio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo realizou uma comparação entre cinco hospitais públicos geridos por OSs e cinco hospitais administrados de forma direta. O levantamento provou que o atendimento ao usuário demora muito mais nos hospitais geridos por OSs, onde a qualidade desse atendimento é pior. Nas unidades terceirizadas a contratação dos servidores é precária e há mais assédio moral, o que gera uma rotatividade muito maior dos trabalhadores. Os terceirizados normalmente trabalham por metas. Se a demanda for maior que a meta, eles não atendem, usam de manobras para fechar as portas da unidade. A lógica é dinheiro. A outra a questão é a falta de transparência. Não existe controle social. Há um conselho administrativo com um representante dos usuários e outro dos trabalhadores, mas eles não são deliberativos. Se o próprio estado e os conselhos não conseguem nem fiscalizar a administração municipal direta, imagine como é falha a fiscalização da gestão por terceiros?

Casos de irregularidades envolvendo repasses também são um problema? Os governos que terceirizam não enxergam isso?

Podemos afirmar que onde existe OS no país, existe desvio de recurso público sendo apurado ou já apurado. Dou um exemplo de Alagoas, onde atua uma OS chamada Ipas (Instituto Pernambucano de Assistência à Saúde). Essa entidade entrou recentemente em Alagoas, no município de Santana de Ipanema. Resistimos o quanto pudemos, mas ela foi contratada. Denunciamos que essa OS tinha sido descredenciada no Rio Grande do Norte há alguns anos por desvio de recursos. O Ministério Público a considerou uma organização criminosa. Ainda assim, ela foi contratada. No ano seguinte, foi descredenciada no Mato Grosso porque distribuía remédios vencidos numa farmácia básica. Com esse histórico, essa mesma OS foi credenciada para um outro município alagoano, em Palmeiras dos Índios. Muitas viram oligopólios. Algumas atuam no Brasil inteiro. Um levantamento de 2013 mostra que existem no Brasil 230 OSs minando a proposta do SUS, que é acesso universal e público. Está se disseminando a privatização por dentro do Estado. Por isso, é preciso lutar para impedir que entrem. Depois de assinado o contrato é mais difícil, mas não é impossível reverter.


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