O aprofundamento da crise econômica capitalista e seus impactos no Brasil colocam na ordem do dia uma série de debates sobre sua natureza, as respostas elaboradas pelos governos, seus impactos sobre os trabalhadores e as possíveis alternativas a partir de um projeto diferente do atualmente hegemônico.
Nesta entrevista, Marcelo Carcanholo, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Marx e Marxismo (NIEP-UFF) e presidente da Sociedade Latino-americana de Economia Política e Pensamento Crítico (SEPLA), analisa as recentes experiências no Brasil, dialogando com o contexto da América Latina e da Europa. Defendendo que a implementação de políticas sociais não elimina o caráter neoliberal do modelo brasileiro, Carcanholo explica que o crescimento dos anos anteriores se deveu ao contexto internacional, denuncia uma falsa polarização entre os projetos que se enfrentaram no segundo turno das eleições e alerta sobre as consequências da crise atual para os trabalhadores.
Durante o segundo turno das eleições presidenciais de 2014, você afirmou que o ajuste econômico entraria em cena, independente do resultado. Após os primeiros meses do governo Dilma Rousseff, com a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e medidas como a restrição de direitos trabalhistas e cortes orçamentários, esse ajuste já está caracterizado? Como foi possível saber que as duas candidaturas apostariam nessa resposta aos efeitos da crise?
Parece mais do que evidente que o ajuste recessivo para responder aos efeitos da crise mundial e seus impactos na economia brasileira está sendo efetivado pelo governo federal. Não se trata apenas da nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Ao contrário, Joaquim Levy foi indicado porque este ajuste já fazia parte do plano de governo.
É central entender que o ajuste tem dois componentes: o que se chama de instrumentalização da política econômica de maneira ortodoxa e, também, o aprofundamento de reformas estruturais liberalizantes, que estamos vendo em relação aos direitos trabalhistas e previdenciários e que também fazem parte da estratégia de desenvolvimento do governo.
Por que já se sabia que, independentemente de quem saísse vencedor nas eleições, essa seria a forma de combate aos efeitos da crise? Porque a estratégia de desenvolvimento que embasa as duas propostas concorrentes no segundo turno é a mesma: o neoliberalismo. Ao contrário do que muitos pensam, o neoliberalismo não é sinônimo de políticas econômicas ortodoxas, com redução de gastos para conter a demanda. Na verdade, ele se define, basicamente, por duas ideias: manutenção da estabilização macroeconômica e implementação de reformas estruturais pró-mercado. Mas não é necessário que a estabilização seja obtida com políticas econômicas ortodoxas, tudo depende do contexto internacional e da conjuntura. Em momentos de crise profunda, como agora, advoga-se o ajuste recessivo ortodoxo. Em outros momentos, admitem-se políticas menos convencionais, desde que as reformas estruturais sejam mantidas ou aprofundadas.
Assim, a estratégia neoliberal de desenvolvimento vem sendo aplicada desde os anos 1990, mesmo quando muitos acharam que não. O que mudou em alguns momentos foi a conjuntura, mais favorável, que permitiu políticas econômicas menos convencionais. Mas isso não significa que se tratava de uma estratégia de desenvolvimento diferente da neoliberal. Isto permite entender, inclusive, como o chamado novo-desenvolvimentismo não é distinto do neoliberalismo.
E o que significa a instrumentalização da política econômica de maneira ortodoxa?
Quer dizer que as políticas monetária, fiscal e cambial buscam responder aos efeitos da crise mundial, restringindo o crescimento da demanda interna, o que aprofunda a recessão. Na política fiscal, o governo amplia a cobrança de impostos e aprofunda a redução dos gastos, com o objetivo de ampliar o superávit primário [diferença entre as receitas governamentais e as despesas correntes não financeiras].
Isto lhe permite ampliar os recursos comprometidos com o pagamento do serviço da dívida pública. Na política monetária, foram restringidos os canais de ampliação do crédito, ao mesmo tempo em que as taxas de juros tendem a se elevar. No que diz respeito à política cambial, o governo está se isentando de interferir no mercado de câmbio como vinha fazendo antes. Em um momento de crise, as pessoas tentam vender reais para comprar dólares. Isso tende a aumentar o preço do dólar, o que significa aumentar a taxa de câmbio. Até agora, quando acontecia crescimento da demanda por dólares, o Banco Central atuava vendendo-os. Havia um aumento da demanda e também da oferta, o que impedia um impacto maior sobre o preço. Agora, o governo não está mais solucionando esse aumento porque não tem mais essa folga de dólares para ofertar.