28/11/2016
Trabalhadores e movimentos em defesa do SUS apontam greve geral como estratégia para barrar retrocessos
Durante o VI Seminário da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, representações dos estados e de diversas entidades reforçam a necessidade de unidade para barrar a PEC 55 e as iniciativas de desmonte dos direitos assegurados pela Constituição
Por Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz
A urgência de articulação e unidade de ação entre os diversos movimentos sociais, trabalhadores e entidades não apenas em defesa do SUS, mas para barrar outros diversos retrocessos nas conquistas trazidas pela Constituição de 1988, pode ser uma síntese do VI Seminário da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde.
Abertura do VI Seminário Nacional da Frente contra a Privatização da Saúde |
Reunidos em Goiânia, capital de Goiás, um dos estados que mais avançaram no desmonte do SUS constitucional, com a entrega de quase a totalidade dos serviços de Saúde para as Organizações Sociais - OSs (saiba mais clicando aqui), representantes de 15 estados discutiram formas de ampliar a mobilização. A luta para barrar a PEC do teto dos gastos públicos (PEC 55) no Senado, foi encarada como prioridade. “Nós estamos construindo uma caravana à Brasília no dia 29, data da votação em primeiro turno da PEC no Senado. Ainda que neste dia vá haver uma grande mobilização em Brasília, que vai expressar uma unidade grande e certamente gerar um grau de impacto, tudo indica que vai ser insuficiente”, afirmou Gibran Jordão, membro da coordenação geral da Fasubra e da secretaria executiva da central sindical CSP Conlutas. O sindicalista, que participou de uma das mesas do evento, apontou a necessidade de os trabalhadores radicalizarem a resistência: “Pelo grau de ataque que a classe trabalhadora vem recebendo e pelo grau de unidade com o qual os três poderes vêm agindo no que é estratégico para a burguesia, o ideal é que tivéssemos hoje uma unidade ampla que possibilitasse a construção de uma greve geral no pais”, acrescentou.
Foi apontada como elemento importante no acúmulo de forças a greve dos funcionários das universidades públicas federais, que já completou um mês e agora ganhou o reforço dos professores após a deflagração do movimento de paralisação pelo Andes-SN – sindicato que representa os docentes. Também participante do Seminário, o vice-presidente do Andes, Luis Acosta, falou sobre a necessidade de reverter o processo que ele chamou de “apassivamento da classe trabalhadora”, como resultado dos governos de pacto social capitaneados pelo Partido dos Trabalhadores. “Isso passa por uma construção da unidade de luta. A greve da educação que estamos construindo não é um substituto da greve geral, não podemos ficar satisfeitos, é uma greve necessária, mas insuficiente. Devemos manter em nossa pauta a luta pela greve geral”, reforçou. Segundo Acosta, a CSP Conlutas aprovou em seu congresso nacional realizado neste ano a convocação de outras centrais e movimentos sociais para a construção em 2017 de um encontro nacional da classe trabalhadora. “Em 2017, ao comemorarmos os 100 anos do início de uma experiência de poder popular, como foi o caso da revolução socialista na Rússia, com todas as suas luzes e sombras, e os 50 anos do assassinato de Che Guevara, temos que fazer um esforço para superar a fragmentação dos movimentos sindicais e avançar no encontro nacional da classe trabalhadora. Acreditamos que esse pode ser um instrumento para a construção de uma greve geral”, apontou Acosta.
A necessidade de unidade foi ressaltada também pela presidente do SindSaúde/SC, Edileuza Fortuna. “Nosso papel enquanto militantes é continuar mobilizando os trabalhadores. Nós, movimentos sociais e sindicais, estamos perdendo para os estudantes, e precisamos apoiá-los, tomar esse gás novo pra gente. O movimento sindical não pode cair na tática de chamar uma manifestação duas vezes por mês, temos que unificar de verdade, não podemos unificar só na reunião e depois sair da reunião chamando dois atos em dias diferentes. Assim seremos derrotados”, alertou. Edileuza também chamou atenção para a conjuntura de maior criminalização dos movimentos, o que reforça a necessidade de unidade. “Se sairmos chamando eleições gerais nesse momento seremos derrotados, e a direita reacionária é que pode assumir, como vimos nas eleições municipais. A lei antiterror vai ser usada contra estudantes, contra os pobres, contra os trabalhadores. A invasão da Escola Nacional Florestan Fernandes do MST foi um exemplo disso”.
Crise do capitalismo
Apesar de algumas particularidades, os participantes do Seminário apontaram que a situação do Brasil não é isolada, visto que a conjuntura é de crise do capitalismo a nível mundial. “Nesse sentido, é evidente a situação de ataques aos trabalhadores, do surgimento de movimentos neofacistas, ataques a imigrantes em vários países. É uma situação difícil e perigosa, e no caso da América Latina também está acompanhada de um refluxo dos movimentos sociais. A situação venezuelana é a mais preocupante e dramática, mas também é o caso da Argentina e do Brasil”, analisou Luis Acosta. O professor ressaltou também que o impeachment de Dilma Roussef, que rompeu com a política de pacto social colocada em prática durante os governos do PT, desencadeou ainda mais fortemente um ataque aos direitos dos trabalhadores, com um elemento novo: a militância do poder judiciário na defesa dos interesses burgueses. “Recentemente foi aprovado o ataque ao direito de greve dos servidores públicos e várias outras medidas estão em curso no poder judiciário. O estado está atuando como um bloco”, pontuou.
Para o secretário geral do PCB, Edmilson Costa, o mundo passa por uma das grandes crises sistêmicas do capitalismo, nas quais se tenta fazer com que os trabalhadores paguem os ônus do esgotamento das forças produtivas. “Há mais de dez anos o capitalismo vem sofrendo uma crise sistêmica e os gestores do capital não encontraram até agora nenhuma fórmula para estabilizar a economia e retomar o crescimento econômico. Portanto, a crise que estamos vivendo é muito diferente das crises cíclicas do capitalismo. As crises normais, cíclicas, de tanto ocorrerem, já passaram a ser administradas pelo capital”, analisou. Segundo Edmilson, essa é a terceira grande crise do capitalismo e as duas anteriores resultaram em mudanças profundas na gestão do sistema. Na primeira grande crise – de 1873 a 1896 – o resultado foi a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista. Na segunda crise – de 1929 e 1945 – com a ocorrência da 2ª Guerra Mundial, ocorreu a divisão do mundo entre os sistemas capitalista e socialista. O sistema capitalista respondeu com a construção do estado de bem-estar social, agora em xeque. “Essa crise que estamos vivendo desde 2008 não tem tempo para acabar, ela só vai acabar quando todos os problemas forem resolvidos, e isso tem deixado profundamente desesperados e irritados os capitalistas. Exatamente pela impossibilidade de sair da crise pelas vias keynesianas, pelas vias da intervenção do Estado na economia, é que eles estão buscando a via da ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores”, sintetizou.
Na avaliação do secretário geral do PCB, a crise no Brasil tem também elementos éticos, sociais e políticos, que se expressaram no processo de impeachment. “A crise aqui foi tão profunda que para a burguesia era necessário um ajuste brutal e rápido, mas o governo de coalizão tinha que fazer mudanças lentas por conta da sua base social, portanto, para a burguesia não interessava”, afirmou, refletindo ainda que as manifestações de 2013, nas quais centenas de milhares foram às ruas por fora da institucionalidade e dos espaços tradicionais de militância foram interpretados com clareza pela burguesia, que viu a necessidade de um governo "puro sangue" para implementar com mais agilidade os ajustes. Diante desse quadro, Edmilson alertou para a necessidade da reconstrução das organizações dos trabalhadores. “A crise vai forçar uma reorganização da esquerda, por isso temos que apoiar todas as frentes e movimentos, porque isso consolida um processo de unidade de quem quer efetivamente o caminho para as transformações. Nós não devemos ter medo da crise, ela é difícil, nos causa prejuízos, mas todas as grandes mudanças da história da humanidade não foram feitas na calmaria. As crises sempre foram as grandes parteiras da humanidade”.