domingo, 17 de maio de 2020

>> ASFOC lança campanha pela auditoria no crédito consignado. Publicado por ASFOC - Sindicato Nacional

Cientes de todo o sacrifício imposto à população pelas destrutivas políticas neoliberais e pelos efeitos da pandemia sobre a economia, a Asfoc-SN convoca a todos a integrar uma campanha pela realização de uma ampla auditoria sobre as condições de concessão de crédito consignado. Nossa proposta é abrir um debate sobre os ganhos excessivos dessa modalidade de crédito, na qual os riscos da concessão são extremamente baixos.
A ideia é averiguar a cobrança de juros e taxas abusivas e, se for possível, rever todos os contratos automaticamente em uma grande negociação coletiva. Acredita-se que a atualização dos montantes tomados emprestados nessa modalidade de crédito irá demonstrar que, considerando uma remuneração razoável para os bancos, uma parcela significativa dessas dívidas já foi integralmente paga e que os tomadores de empréstimos estão, na verdade, pagando taxa de juros que não se justificam.
Trata-se de uma reivindicação mais do que justa. A população tem o direito de saber o quanto já foi efetivamente pago, incluindo a remuneração dos bancos. Uma reivindicação para atender a quem trabalha e participa com grande parte dos seus rendimentos para o erário público e para a alimentação de um setor financeiro que pouco contribui para a criação de empregos e para elevação da qualidade de vida da população. Uma dívida que se soma aos descontos do imposto de renda e das alíquotas da previdência. Um recurso que está sendo drenado para os bancos e que precisa voltar ao mercado pelo fortalecimento da capacidade de consumo das famílias.
Os bancos estão oferecendo descontos de até 95% nas dívidas de cartão de crédito e outros itens que não incluem empréstimos consignados. Um oferecimento que tem por base a certeza de já ter recebido o principal e que, na realidade, estão abrindo mão dos juros de uma agiotagem com alvará. O oferecimento se dirige àqueles que já se encontram inadimplentes e com restrições de crédito no Serasa. Uma dívida quase impossível de cobrar. Estamos, portanto, diante de uma manobra que visa recuperar a capacidade do endividado voltar a se endividar.
O mesmo não acontece com o crédito consignado. Um mercado em que, segundo dados do Serasa Experian, a concessão de crédito alcançou em setembro de 2019 o patamar de R$ 191,5 bilhões, um crescimento de 36% em relação a igual período de 2018. Uma mercadoria adquirida a uma taxa média de juros que tem girado, em percentuais arredondados, perto de 2% ao mês para uma inflação mensal cuja média ficou abaixo dos 0,5%.
De fato, o crédito consignado é um mecanismo que impede o tomador do empréstimo decidir se paga a dívida contratada ou se, por exemplo, alimenta a sua família. Esse tipo de devedor está vendo o seu padrão de vida decair fortemente enquanto se tornam, cada vez mais, reduzidas as suas possibilidades de reação e reversão de tal tendência.
Os juros e as demais taxas no mercado de crédito consignado, inicialmente muito elevadas mesmo levando-se em consideração, vêm baixando, mas isso não liberta o devedor. Um devedor que, em muitos casos, já pagou o valor tomado como empréstimo. Um devedor que foi vítima de juros extorsivos, taxas de serviço estratosféricas e, não raramente, obrigado a comprar um seguro, um título de capitalização ou outra modalidade de mercadoria ou serviço oferecida pelos bancos.
Tratamento diferenciado para bancos e empresas
Recentemente, em 23 de março, o Banco Central anunciou que pretende liberar cerca de R$ 1,216 trilhão para os bancos brasileiros para combater os efeitos negativos da epidemia de coronavírus sobre o sistema financeiro. A cifra recorde corresponde a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com o governo, a liberação tem como objetivo garantir a disponibilidade de dinheiro para que as instituições financeiras possam operar normalmente, oferecendo crédito a quem dele necessita. Um recurso liberado sem que o setor precisasse reivindicar.
Entretanto, para muitos analistas esse dinheiro não vai chegar nas mãos de agentes econômicos que movem a economia: consumidores e empresários. Não vai se transformar em crédito barato com taxas de juros reduzidas. Um recurso que não vai criar ou garantir empregos. Provavelmente irá servir para comprar títulos da dívida pública remunerados com taxas de juros elevadíssimas, alimentando o mecanismo de drenagem do resultado do trabalho de população para o setor financeiro rentista. Uma previsão que já está sendo confirmada por empresários e consumidores que reclamam da manutenção de juros elevados e da reduzida oferta de crédito. Uma previsão confirmada pelo próprio Paulo Guedes que disse que a liquidez (oferta e circulação de dinheiro no mercado) desejada com a liberação desse volume de recursos estaria “empoçada” nos bancos.
Essa constatação levou o Banco Central a anunciar medidas complementares ainda no final de março. Em conjunto com Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e anuência do Ministério da Economia, se criou uma linha de empréstimos emergencial de R$ 40 bilhões para financiar dois meses de folha de pagamento de empresas que faturam de R$ 360 mil a R$ 10 milhões por ano. Uma linha de crédito em que o governo entra com 85% dos recursos e os bancos com o restante. O dinheiro será oferecido a juros de 3,75%, com carência de seis meses para pagar em até 36 parcelas O risco de prejuízos por inadimplência será dividido na mesma proporção (85/15). Um esforço que, segundo muitos observadores do mercado, não irá resultar em impactos positivos significativos. Pelo menos não nas proporções que se espera de tais medidas.
Famílias endividadas. Inadimplência crescente
De acordo com o levantamento da Confederação Nacional de Comércio (CNC), em março de 2020 o endividamento bateu recorde, atingindo 66,6% dos trabalhadores. A maior taxa da série histórica iniciada em 2010. Ou seja, quase 70% de famílias com dívidas e ainda não computados em sua plenitude os efeitos do aprofundamento da crise com a intensificação dos casos de covid-19.
Em 2019, de acordo com as informações divulgada pela Serasa Experian, o número de brasileiros com dívidas atrasadas e CPF negativado também bateu novo recorde e chegou a 63,2 milhões em abril, o que representa 40,4% da população adulta do país. Estima-se que esse número tenha se mantido no início de 2020. Entretanto, diante dos efeitos da pandemia, espera-se uma acentuada elevação das proporções até aqui registradas.
Uma situação agravada com o crescimento da pobreza. Basta lembrar que, de acordo com os resultados da pesquisa Síntese do IBGE tornados públicos em outubro de 2019, 25% dos brasileiros vivem com um valor inferior a R$ 406,00 por mês. Temos, portanto, os elementos para o que muitos chamam de uma tempestade perfeita. Economia em recessão, inadimplência recorde, crescimento da miséria, pandemia e uma crise mundial.
Nessas circunstâncias, não podemos esperar muito do mercado. Este irá se proteger, buscando investimentos seguros. Somente o Estado poderá reverter a situação crítica em que nos encontramos. Para alavancar a economia será preciso ampliar e fortalecer de modo decisivo a capacidade consumo da população brasileira. É preciso garantir que a população tenha poder de compra.
Diferentemente de bancos ou dos ricos, a população de baixa renda ou aqueles que se encontram abaixo da linha da pobreza extrema não especulam e não entesouram.
Eles gastam naquilo que ele ou sua família necessitam para viver. Na imensa maioria das vezes os recursos colocados nas mãos de trabalhadores se transformam em alimento, material escolar, passagens, aluguéis, vestuário, remédios e uma série de outros itens de primeira necessidade.
A economia mundial está irremediavelmente comprometida e não será com a alimentação do mecanismo extorsivo da dívida pública e com políticas recessivas, como as defendidas por Paulo Guedes, que o país conseguirá ultrapassar essa crise sem precedentes.
Não será também com a maior parte da população inadimplente e refém do crédito consignado que nossa economia voltará a girar. Em muitos países a taxa de juros é negativa. O Estado precisa intervir a favor da população e da economia do país. Realizar investimentos pesados em infraestrutura, na retomada da industrialização, particularmente naquelas ligadas ao chamado Complexo Econômico e Industrial da Saúde, e em outras áreas estratégicas como ciência e desenvolvimento tecnológico. Setores capazes de gerar emprego.
Precisa também libertar aqueles que foram obrigados pelas circunstâncias a comprometerem até 35% dos seus rendimentos. Estamos falando de trabalhadores da ativa, de aposentados e pensionistas. Um contingente duramente atingido pelas reformas Trabalhista e da Previdência. Uma população que é vítima de um sistema tributário regressivo e injusto, que impõe sacrifícios aos assalariados, aos consumidores e ao setor produtivo em favor daqueles que vivem de renda e são dispensados do pagamento de imposto sobre participação nos lucros. É preciso liberar quem produz a riqueza para que eles possam contribuir positivamente para a retomada do dinamismo econômico.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região cassou duas decisões liminares que haviam sido proferidas em duas Ações Populares que buscavam a garantia da implementação efetiva de linhas de crédito em condições favoráveis para o tomador final e a outra a suspensão do pagamento dos empréstimos consignados.
O fundamento para a queda das duas liminares passou pela questão da separação dos poderes e pela alegada ausência de fundamentação técnica sobre os aspectos econômicos das decisões.
Deste modo, fica reforçada a ideia de que alcançar os objetivos expostos na campanha que agora se lança passará necessariamente pela luta política pela adoção de medidas pelas autoridades responsáveis pelo sistema financeiro e pela conscientização da população na busca dos seus direitos, o que, como já dito, significa, no presente quadro, um auxílio direto à própria retomada da economia.




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